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segunda-feira, 22 de julho de 1985

Expedição Gil Eanes - de Lisboa ao Cabo Bojador

No ainda mais longínquo ano de 1966, havia feito uma primeira incursão a Marrocos com meus pais e irmão, até Goulimine, ao sul de Agadir. E, em 1984, a carrinha VW então acabada de comprar tinha-me já levado a Ceuta ... talvez como "ensaio" para o projecto que começara a desenhar: uma viagem até às areias do Sahara ... porque não mesmo até ao antigo Sahara espanhol, território disputado entre Marrocos e a Frente Polisário ... e onde se situa o Cabo Bojador?
Próximo de Alcácer Seguer, costa
norte de Marrocos, 14.07.1985
Vários condicionalismos pesavam contudo sobre este projecto: não seria certamente uma viagem recomendável para crianças de 3 e 7 anos (idade dos meus dois filhos, na altura) ... nem para fazer sozinhos; um casal amigo, eles como nós professores do ensino secundário, aceitou de bom grado a proposta.
Os problemas derivados de uma situação de guerrilha constituíam um condicionalismo ... mas também por outro lado um aliciante! A famosa "Marcha Verde" de Hassan II sobre o Sahara Ocidental ... tinha sido há apenas 10  anos ...  e  a  disputa  sobre  o  controlo  do
Mercado de Arzila, 14.07.1985
território perdura até hoje.

Assim, a 12 de Julho de 1985 estávamos a partir para uma "aventura africana" ... que nalguns aspectos viria a  ser  mesmo  uma  aventura...J!  Quase no Trópico de Câncer ... tivemos frio, no Cabo Bojador; suportámos temperaturas de 60º em Smara, a uma escassa centena de quilómetros da fronteira da Mauritânia; passámos por tempestades de areia e vimos miragens no deserto. Quase fomos obrigados a passar a noite nele ... com a nossa pobre VW avariada! Velhinha de 16 anos, as condições extremas foram fortes demais para ela, cujo pobre motor foi aberto nada menos de três vezes! Mas nunca parou, mesmo sem dínamo ... e a espirrar óleo por tudo quanto era sítio! 26 anos depois, restam-nos as recordações ... e quase meio milhar de slides para rever...!

As primeiras imagens deste "outro mundo" tivemo-las logo em Tanger, Arzila ... e em Alcácer Quibir. Depois, as grandes cidades de Rabat e Casablanca. E, sempre para sul, a histórica presença portuguesa sentia-se em Azamor,  Mazagão,  Safi,  Mogador.  Mas a verdadeira sensação de  uma  Natureza  diferente,
Não ... não estávamos no Paris - Dakar...J!
começámo-la  a  sentir depois de  Agadir.  Era  o
"cheiro"  do   deserto  ...   principalmente  quando
uma placa de  grandes proporções nos informava
que estávamos ... a 2580 km de Dakar!
A sul de Agadir ... estávamos mesmo a entrar em regiões desérticas

Entrada em Sidi Ifni, 20.07.1985
E o primeiro "cheiro" sentimo-lo a caminho de Sidi
Ifni, antigo enclave espanhol na costa atlântica de
Marrocos. Pouco depois estávamos em Guelmim...
muito  longe  de  sonhar  que,  no  regresso ...
passaríamos lá 3 dias!
No dia 21 de Julho passávamos as zonas costeiras
de TanTan e Tarfaya ... e entrávamos no Sahara
ocidental!
Entrada em TanTan, 21.07.1985
21.07.1985 - Estávamos mesmo no grande Sul !
"Senhor, redarguiu Gil Eanes, dizem que para aqueles
lados a terra é mais baixa que o mar...."
".... e que as correntes arrastam os navios para onde
a morte é certa..." - Tarfaya, 21.7.1985

Próximo de Laayoune,
Sahara ocidental, 21.07.1985
No Sul, a partir de Guelmim, não existindo na altura parques de campismo ... não dormíamos na carrinha. Começava a haver controlo militar à entrada das povoações, mas mais nenhum sinal de conflito. Em Laayoune (a El Aaiún do tempo dos espanhóis, capital do Sahara ocidental), ficámos na Residencial "Casa de España". Edifício antigo, numa parede encontrava-se ainda pendurado um retrato ... do rei Juan Carlos! Pouco depois de nos instalarmos, declarou-se num dos quartos ... uma guerra à barata, atrás de meia dúzia daqueles bichinhos, que faziam questão de passear por todos os recantos. Tudo faz parte da Natureza...J!
E às quatro e meia da tarde de uma 2ª feira, 22 de Julho de 1985 ... chegávamos ao Cabo Bojador. Tínhamos ligado por terra o que Gil Eanes ligara por mar, há mais de meio milénio.
Objectivo atingido: Boujdour, Cabo Bojador, 22.07.1985
Foi esta a costa que Gil Eanes vislumbrou ... a sul do Bojador
Boujdour é a cidadezinha que nasceu em redor do Cabo Bojador. Naquela franja de terra que entra pelo oceano, o vento zunia-nos aos ouvidos e a temperatura não passava de uns pouco calorosos 16ºC. A neblina persistia, mas descortinava-se a costa a sul do Bojador. Tal como Gil Eanes ... a nossa promessa estava cumprida: "... aqui vos trago, Senhor, estas rosas de Santa Maria, colhidas ao sul do Bojador...".
Mas, nestas paragens que já foram consideradas o " limite da terra habitável " ... a nossa velha VW começou a dar sinais de "doença": ruídos estranhos que, de início, julgávamos tratar-se do escape roto, e, para cúmulo, luz de bateria a acender de vez em quando!
Com estes credos na boca ... em Boujdour fomos hóspedes do então Caïd local ... até porque não existia qualquer unidade hoteleira. E que fabuloso jantar árabe tivemos em sua casa, confeccionado pela sua também simpática esposa ... de nome Fátima!
Poucos anos depois desta "expedição", a estrada alcatroada chegava já a Dakhla - a antiga Villa Cisneros - e à fronteira sul com a Mauritânia ... permitindo sonhar com a ligação Lisboa - Dakar - Bissau sempre pelo litoral. Mas nós ... íamos afastar-nos do litoral; antes da uma da tarde do dia seguinte, 12º dia de viagem, estávamos a iniciar o regresso, partindo de Boujdour rumo ao norte ... e à aventura...J!
10 de Fevereiro de 2011

domingo, 7 de julho de 1985

Quando pela 1ª vez levo os alunos aos Pirenéus...

A nossa "descoberta" dos Pirenéus e de Ordesa, 2 anos antes, tinha deixado água na boca para vir a descobrir mais ... e a mostrar mais! A 29 de Junho de 1985 estava assim a partir para uma jornada pirenaica ... com os meus alunos e os da minha "colega" de trabalho...J. Finalistas em Sacavém, eles mereciam a "aventura" que todos íamos viver. Acompanhados por mais uma professora de Biologia e um de
Junto ao Parador Nacional Monte Perdido, 30.06.1985
História, estava formada a "equipa" para 9 fabulosos dias, em que a meta eram as duas principais áreas protegidas da vertente espanhola dos Pirenéus: o Parque Nacional de Ordesa e o Parque Nacional de Aigües Tortes, este último já na Catalunha. Na digressão ... ainda havia tempo para uma curta entrada em França ... e para uma visita a Andorra!
Em 1983 tínhamos explorado o vale de Ordesa, pelo que nesta digressão escolar optei pelo lado oposto do mítico Monte Perdido, o vale de Pineta. No último dia de Junho, acampámos assim junto ao rio Cinca ... aos pés do Parador Nacional Monte Perdido. O campismo era autorizado, mas não havia parque propriamente dito ... pelo que a maior parte da higiene matinal era no rio...J.
Higiene ... no rio Cinca, 1.07.1985
E acampados junto ao Cinca ...
... tínhamos esta vista!










O dia seguinte foi dedicado a viver o imponente vale de Pineta. Subimos o curso do Cinca até à base dos glaciares que pendem do Monte Perdido ... e com pena de a neve e o gelo não aconselharem a subir até ao Lago de Marboré. Mas, mesmo da meia encosta ... a panorâmica era já de cortar a respiração.
1.07.85 -  Cascatas por entre a ramagem
E vamos subindo...
A imponência do Vale de Pineta, visto
da encosta de Marboré




















E se a caminhada feita em 83 me tinha feito apaixonar por estas montanhas ... esta primeira vinda com alunos aumentou essa paixão! Que imponência! Que sensação de pequenez, face à grandiosidade da Natureza! E logo ali nasceu um sonho que, apesar das várias vezes que ali já voltei ... até hoje ainda não foi realizado: o de unir, a pé, o vale de Ordesa ao vale de Pineta, atravessando o maciço do Monte Perdido. Talvez ... um dia...

Mas no dia 2, pelo túnel de Bielsa, aberto apenas 9 anos antes ... entrámos em terras gaulesas. Mas não por muito tempo: por Arreau e Bagnères-de-Luchon, regressámos a Espanha, ao vale de Aran, na Catalunha. A neve, nos Cols de Peyresourde e do Portillon, fez as delícias dos que quase a não conheciam.
2.07.1985 - Entrada em França
Col de Peyresourde
E ... haja neve!
O vale de Aran é um vale encravado nas montanhas do ocidente catalão, com identidade cultural, histórica, geográfica e linguística próprias. Passada a capital, Vielha, o objectivo era agora a vila de Espot, ponto de partida para o Parque Nacional de Aigües Tortes e do Lago de S. Maurício. Ali acampámos nas duas noites seguintes - em parque de campismo... - para nos "aventurarmos", ao quinto dia de jornada, naquela que era, também para mim, uma área completamente nova.
3.07.1985 - Entrada no Parque Nacional de Aigües Tortes
A partir de Espot, distribuídos por vários jeeps, subimos até ao Lago de S. Maurício - ou Estany de Sant Maurici, em catalão. O espectáculo natural era deslumbrante, com as montanhas e os frondosos bosques de pinheiro negro, pinheiro silvestre, abeto e faia a reflectirem-se nas águas cristalinas. Mas  Sant Maurici  é  apenas  um  dos
Na pista de Amitges, 3.07.1985
mais de 200 lagos, cujas águas percorrem os sinuosos caminhos do Parque, as "aigüestortes". Para lá do Sant Maurici, continuámos a subir em direcção aos Lagos de Ratera e de Amitges. Estávamos já acima dos 2000 metros de altitude ... e a neve já abundava. Os jeeps deixaram-nos junto ao refúgio de montanha de Amitges ... para fazermos todo o percurso de retorno a pé, até Espot, cerca de 15 km.
O Lago de S. Maurício, ou Estany de Sant Maurici, 3.07.1985
A caminho dos Lagos de Ratera
Lagos de Ratera, Aigüestortes, 3.07.1985
A caminhada dava fome...
Caminhada na neve!
Lagos de Ratera, Aigüestortes, 3.07.1985
Lagos de Ratera, 3.07.1985
Caminho de regresso...
Els Encantats, sobre o Lago de S. Maurício, 3.07.1985
  
As cerca de três horas do regresso a Espot foram uma alegre confraternização entre todos, maravilhados com as belezas naturais que tínhamos acabado de conhecer e de viver. À chegada à vila, um bom chocolate quente ficou também nalgumas memórias ... e para a história desta "aventura" pirenaica...J.
E a "aventura" terminaria em terras andorrenhas. Paraíso das compras baratas - para além de também integrado no seio de uma Natureza belíssima - o Camping "Valira", em Andorra, recebeu-nos para as duas noites seguintes. Para a história ficou igualmente uma "chegada triunfal" de um dos grupos de alunos ao Camping ... entoando uma canção acabada de compor: "no tengo dinero ... no tengo dinero ..."...J!
Camping "Valira", Andorra, 5.07.1985
Camping "Osuna", Madrid ... na última noite, 6.07.1985
O 8º e 9º dias de viagem ... foram o regresso a casa. À semelhança da primeira, a última noite foi em Madrid ... onde pouca gente quis dormir...J!

O percurso do Parque Nacional de Aigües Tortes no Wikiloc / Google Earth:



9 de Fevereiro de 2011