Recuemos uns meses no tempo, em relação ao post anterior. O ano lectivo de 2003 / 2004 havia-se iniciado em Setembro. A 6 de Novembro, levei os meus alunos ao novo Monumento Natural das Pegadas de
Dinossáurios da Serra d'Aire (vulgo "Pedreira do Galinha"), que não conhecia. Encontrei ali um excelente centro educativo e de interpretação, de que os alunos nitidamente gostaram. Alguns destes alunos eram ainda do grupo que viveu as aventuras da Madeira e anteriores, que infelizmente ainda tinham tido de repetir disciplinas do 12º ano; outros ... eram novos alunos.
Continuando a nunca ter tido, como em toda a minha carreira, problemas disciplinares dignos de registo, os novos alunos que me foram surgindo neste ano e nos seguintes ... eram diferentes. Nas posturas, nas relações de convívio e amizades, nos interesses ... ou, infelizmente, na falta deles. Aulas fora da escola?... Dias fora de casa?... Enquanto que várias vezes nos acontecera ter de
gerir inscrições em excesso para as "aventuras" vividas ... no ano de 2003 / 2004 e nos seguintes confrontámo-nos com meia dúzia de inscrições para qualquer projecto que fosse.
"Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades" ... mas começavam-se a deixar de sentir vontades. "Todo o mundo é composto de mudança" ... mas à mudança dos alunos - e mais grave do que essa - somava-se a mudança do conceito de Escola e de Ensino, a burocratização das tarefas lectivas, a transformação de curricula e de programas ... em "flores" para preencher estatísticas.
Se não acompanharam de algum modo a "evolução" do Ensino, os meus alunos do "antigamente" - e muitos têm acompanhado este blog - ficam estupefactos, ao compararem os programas actuais com aqueles que lhes ensinei, particularmente no caso da Biologia do 12º ano! Não vou alongar muito este post, já que o âmbito do blog não é o sistema de ensino ... e muito menos a política e os políticos que o instituem. Mas muito do meu trabalho como professor das Ciências da Vida e muitos dos meus "instantâneos de ar livre", foram vividos com e para os meus alunos ... que comigo aprenderam a lidar com a Natureza, a respeitá-la, a amá-la. Muitos desses meus ex-alunos seguiram carreiras de algum modo ligadas à Natureza, às Ciências da Vida. Alguns são professores. Alguns ... são biólogos! A paixão e os ensinamentos do meu velho Professor Ribau tinham criado raízes bem fortes. Mas o ano lectivo de 2003 / 2004 marcaria efectivamente o princípio do fim do "meu" Ensino, do Ensino como eu o conhecera, da Escola como eu a conhecera e vivia, da Escola que ia muito para além das paredes da escola! Nos anos que se seguiram, não foi apenas a falta de interesses a responsável por uma desmotivação crescente. Sucessivas reformas, políticas educativas aberrantes, sistemas de avaliação de carreira completamente desligados da realidade ... e a desmotivação e o desalento instalaram-se na maioria dos professores que toda a vida se tinham dedicado ao ensino e aos alunos, com abnegação e dedicação, dedicando-lhes horas que nunca contabilizaram, muito para além de qualquer horário. Da profissão abraçada por paixão, das aulas, dos materiais pedagógicos e das actividades preparadas com carinho e alento, passei gradualmente a não gostar sequer das aulas que dava, senti-me cada vez mais a "encher pneus", a cumprir programas e tarefas burocráticas, a tentar vencer fragas que viraram pragas, num ensino que não era o meu, numa escola que não era a minha, numa escola transformada em campo de trabalhos forçados ... e de trabalhos forçados inúteis.
Citando o sentido comentário que o meu amigo e colega de História - co-organizador e colaborador de tantas "aventuras" com alunos - deixou no post relativo à viagem à Madeira ... "2003 até já parece ser «a pré-história da nossa existência»! ". E 'Ensino' passou a ser "uma palavra cada vez mais vazia de significado" ... ditando assim o princípio do fim do "meu" Ensino. A possibilidade de "saltar do barco" só surgiu 4 anos depois, mas não pensei duas vezes ... antes que a paixão se transformasse em ódio. A minha parceira seguiu-me o exemplo... Hoje, se fosse obrigado a lá estar ... teria medo de mim próprio...
Aqui fica o meu sincero e reconhecido obrigado a todos os que comigo construíram e viveram o "meu" Ensino, professores e alunos, amigos, uns e outros, que perduraram e perduram, muito para além das paredes de uma escola! Bem hajam!
Monumento Natural das Pegadas de Dinossáurios, Serra d'Aire, 6.11.2003 |
Continuando a nunca ter tido, como em toda a minha carreira, problemas disciplinares dignos de registo, os novos alunos que me foram surgindo neste ano e nos seguintes ... eram diferentes. Nas posturas, nas relações de convívio e amizades, nos interesses ... ou, infelizmente, na falta deles. Aulas fora da escola?... Dias fora de casa?... Enquanto que várias vezes nos acontecera ter de
No trilho dos dinossáurios, 6.11.2003 |
"Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades" ... mas começavam-se a deixar de sentir vontades. "Todo o mundo é composto de mudança" ... mas à mudança dos alunos - e mais grave do que essa - somava-se a mudança do conceito de Escola e de Ensino, a burocratização das tarefas lectivas, a transformação de curricula e de programas ... em "flores" para preencher estatísticas.
Se não acompanharam de algum modo a "evolução" do Ensino, os meus alunos do "antigamente" - e muitos têm acompanhado este blog - ficam estupefactos, ao compararem os programas actuais com aqueles que lhes ensinei, particularmente no caso da Biologia do 12º ano! Não vou alongar muito este post, já que o âmbito do blog não é o sistema de ensino ... e muito menos a política e os políticos que o instituem. Mas muito do meu trabalho como professor das Ciências da Vida e muitos dos meus "instantâneos de ar livre", foram vividos com e para os meus alunos ... que comigo aprenderam a lidar com a Natureza, a respeitá-la, a amá-la. Muitos desses meus ex-alunos seguiram carreiras de algum modo ligadas à Natureza, às Ciências da Vida. Alguns são professores. Alguns ... são biólogos! A paixão e os ensinamentos do meu velho Professor Ribau tinham criado raízes bem fortes. Mas o ano lectivo de 2003 / 2004 marcaria efectivamente o princípio do fim do "meu" Ensino, do Ensino como eu o conhecera, da Escola como eu a conhecera e vivia, da Escola que ia muito para além das paredes da escola! Nos anos que se seguiram, não foi apenas a falta de interesses a responsável por uma desmotivação crescente. Sucessivas reformas, políticas educativas aberrantes, sistemas de avaliação de carreira completamente desligados da realidade ... e a desmotivação e o desalento instalaram-se na maioria dos professores que toda a vida se tinham dedicado ao ensino e aos alunos, com abnegação e dedicação, dedicando-lhes horas que nunca contabilizaram, muito para além de qualquer horário. Da profissão abraçada por paixão, das aulas, dos materiais pedagógicos e das actividades preparadas com carinho e alento, passei gradualmente a não gostar sequer das aulas que dava, senti-me cada vez mais a "encher pneus", a cumprir programas e tarefas burocráticas, a tentar vencer fragas que viraram pragas, num ensino que não era o meu, numa escola que não era a minha, numa escola transformada em campo de trabalhos forçados ... e de trabalhos forçados inúteis.
Citando o sentido comentário que o meu amigo e colega de História - co-organizador e colaborador de tantas "aventuras" com alunos - deixou no post relativo à viagem à Madeira ... "2003 até já parece ser «a pré-história da nossa existência»! ". E 'Ensino' passou a ser "uma palavra cada vez mais vazia de significado" ... ditando assim o princípio do fim do "meu" Ensino. A possibilidade de "saltar do barco" só surgiu 4 anos depois, mas não pensei duas vezes ... antes que a paixão se transformasse em ódio. A minha parceira seguiu-me o exemplo... Hoje, se fosse obrigado a lá estar ... teria medo de mim próprio...
Aqui fica o meu sincero e reconhecido obrigado a todos os que comigo construíram e viveram o "meu" Ensino, professores e alunos, amigos, uns e outros, que perduraram e perduram, muito para além das paredes de uma escola! Bem hajam!
9 de Junho de 2011
2 comentários:
Fui buscar um excerto do que escrevi em 2004, acerca de um bocadinho desse 'princípio do fim':
'Tenho que confessar que foi complicado saber por onde começar este e-mail porque as coisas que li me fizeram muita confusão.
É-me muito difícil imaginar que há pessoas que não se interessam pelas melhores coisas da vida, como estar com os amigos, passear, conhecer sítios novos e cada um mais bonito que o outro e sim, também aprender, mas da melhor forma possível.
(...) Pelo menos alguém que me compreende, que sente saudades de tudo o que vivemos e que, tal como eu, não se importava nada de repetir.
Provavelmente sou eu que estou demasiado agarrada a todas essas memórias mas foram coisas tão boas que as trago sempre comigo e não me canso de dizer isso a toda a gente (além de passar a vida a mostrar as fotos)!
Nem vou tentar passar para o papel tudo o que me apetecia dizer, até porque algumas coisas estão bem guardadas e são só minhas, mas o que fica em nós depois dessas viagens, do convívio, das caminhadas e das bolhas nos pés, das gargalhadas e das melgas, das conversas a horas menos próprias, dos despertares com a sirene, das noites a jogar Trivial ou a dançar numa discoteca só para nós, da caça aos gambuzinos (onde um aluno foi gravemente atacado por um desses terríveis animais), do pôr-do-Sol no oceano, as viagens de barco, avião ou autocarro, as directas (a primeira com 13 anos...)... não se consegue explicar. É nosso mas toda a gente devia ter acesso nem que fosse a um pedacito de tudo isso (mas que quando têm não aproveitam!)!' (retirado do e-mail transcrito no aminatura)
Cristiana
Apesar de ainda atrasado alguns meses na leitura do blog, não quis deixar de seguir a tua oportuna chamada de atenção por e.mail, para um capítulo algo apocalíptico. Curiosa a coincidência da falta de interesse nas «actividades circum-escolares», nome dos nossos tempos, com as sucessivas contra-reformas no sistema de ensino.
Reflectindo apenas nos alunos desinteressados, ocorre-me uma frase do Manuel da Fonseca, que ouvi por estes dias: «O convívio é das coisas mais belas da humanidade», em frente, prossiga a dança.
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