Dia 20 de Outubro era o dia da "peregrinação" às
Minas das Sombras (onde iria pela primeira vez) e aos
Carris. Seria uma espécie de homenagem à saga do volfrâmio.
Mas a "peregrinação" seria também ao mítico
Altar de Cabrões e aos Picos do
Sobreiro e
dos
Carris, já que quando estive na
Nevosa não tive tempo de passar o
Curral de Marabaixo, que os separa. Assim,
às 7:30h da manhã (hora portuguesa),
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Subida da Carballiña, Xurés, 20.10.2010, 9:15h
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com Lobios ainda adormecida na noite, parti para uma caminhada solitária de
mais de 11 horas na serra. A minha cara-metade, excelente caminheira de
distâncias mas menos "trepadora", preferiu o dia de descanso aos 1100 metros
de desnível que teria de subir e voltar a descer. Lobios fica a 410m de
altitude; o Pico do Sobreiro, ponto mais alto a atingir … fica a 1538 metros.
Como não gosto de caminhadas em que a ida e o regresso são pelo mesmo
percurso, saí de Lobios por
Ogos e
Saa,
percorrendo a zona que também tinha sido afectada por um pequeno incêndio em
Agosto … circunscrito e extinto num dia…! Quase logo a seguir a Saa saí para a
pista das Sombras, começando desde logo a subir bem. Aos 780m de altitude
cruza-se o
rio de Lobios, para pouco depois chegarmos a um
pequeno bosque com panorâmicas magníficas de NW a SW. Duas horas depois da
partida estava aos 1000 metros de altitude e com 7,7 km percorridos, no local
conhecido como o
Niño da Galiña, que marca a entrada na encosta do
vale das Sombras,
escavado pelo rio de
Vilameá, ao longo do qual à tarde
desceria para a aldeia do mesmo nome. Encontrei aí o primeiro de dois jeeps de
vigilantes do Parque Natural, simpatiquíssimos; assim houvesse efectiva
vigilância no Gerês português…! A partir do
Niño da Galiña seguiram-se mais de 4 km praticamente planos, entre os
1000 e os 1060m de altitude, sempre sobre o vale do rio de Vilameá. Deu para
acelerar por vezes para os 8 km/h … e para ganhar forças e balanço para o
"ataque" à subida para as Sombras e para as alturas do Gerês/Xurés. Às 10:15h
tinha 12 km feitos e estava junto à cancela do antigo estradão para as Minas
das Sombras, com a muralha quase vertical do
Pión de Paredes à minha esquerda, a parede oposta da
Chan da Vella e o Fitoiro à direita … e o resto do vale das Sombras
para subir, à minha frente. Da cancela às Minas não chega a 1,5 km de
estradão, vencendo nele cerca de 220m de desnível. Com 3 horas certas de
caminhada desde Lobios, as ruínas das
Minas das Sombras começaram a surgir, iluminadas pelos raios
do astro rei que começa, finalmente, a sobressair das alturas do
Pión de Paredes e dos
Cabrós. O momento é quase mágico, como
talvez as fotografias ilustrem um pouco.
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E o Sol vai começar a iluminar as Sombras! 20.10.2010, 10:35h
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Memórias que o tempo não esquece... Minas
das Sombras, 20.10.2010
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O complexo das Minas das Sombras é bem mais pequeno que o dos Carris. Mesmo
assim, as edificações, velhas máquinas, carris, tudo parece estar ali perdido
no tempo, perdido na corrosão e no envolvimento vegetal … ou então de repente
ganhando vida, imaginando a labuta dos homens que ali
ganharam o seu
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Interior da mina |
pão e sustento, que ali deixaram o suor de um trabalho duro e desgastante. No
interior das galerias abandonadas, a água corre agora célere por onde dantes
corriam os vagões e o minério; lá dentro, perde-se a noção do tempo e do
espaço, tudo é negritude e mistério.
Cumprida a "peregrinação" nas
Minas das Sombras, o desafio
era agora subir directamente ao
Altar dos Cabrós (
Altar de Cabrões). À minha frente estava uma parede dominada por toneladas de cascalho grosso
e solto, salpicada aqui e ali por rocha nua e algum mato. Havia que passar dos
1220 para os 1490m de altitude. Nenhum vestígio de carreiro, quando muito aqui
e ali, muito espaçados, possíveis vestígios de mariolas que nem sei se o eram.
E, acima já das Minas das Sombras, ainda havia que contornar uma longa e
profunda fenda rochosa, possivelmente vestígio de velhas galerias desabadas
pelo abandono e pelo tempo. Não direi que
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Subida do Pión de Paredes para o Altar de Cabrões, 20.10.2010
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a subida não foi penosa, mas as panorâmicas e a constante sensação de desafio
recompensavam largamente o esforço. Nos meus tempos de escola, quando se
aprendiam as serras, os rios e até as linhas de combóio, ensinava-se que o
Altar de Cabrões era o ponto mais alto da Serra do Gerês. No entanto, conforme
qualquer carta mostra, o Altar de Cabrões nem é o ponto mais alto … nem é em
Portugal. Situado a pouco mais de 300 metros em linha recta da linha de
fronteira, o
Altar de Cabrós é portanto ainda na
Galiza, e os seus 1490m de altitude são 58 metros mais abaixo dos 1548m do
Pico da
Nevosa, esse sim o ponto mais alto do Gerês e de todo
o norte de Portugal. O Altar de Cabrões é no entanto um local mítico e mágico,
convidativo à meditação e à contemplação, à entrega aos deuses do céu e da
Terra, à aceitação da energia telúrica que dele emana e, em dias esplendorosos
de Sol, da energia retemperadora do astro-rei. Sem me dar conta, estive mais
de uma hora naquele ponto mítico, onde há muito queria ir. A hora aconselhava
algum reforço alimentar; melhor local não podia haver.
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Altar de Cabrões (Altar de Cabrós), 1490m alt., Xurés,
20.10.2010: a entrega aos deuses do céu e da Terra!
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Fronteira luso-galaica, no Pico do Sobreiro, 1538m alt., 20.10.2010
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À minha frente, ligeiramente a nordeste, o
Curral de Marabaixo separava-me da
Nevosa,
imponente e destacada, a Nevosa que me havia acolhido quando da
travessia de Lapela a Pitões das Júnias; um pouco mais à direita, percebe-se o início da
Garganta das Negras. Para sul, os Picos do
Sobreiro e dos
Carris (ambos acima dos
1500m) não deixam ver ainda as Minas nem a represa dos Carris, escondendo
também parte do vale da
Amoreira. A sudoeste percebe-se o
início do vale do
Alto Homem, o
Outeiro da Meda, o
Alto da Amoreira. E a
oeste e noroeste … o
vale das Sombras, de onde havia subido.
Que êxtase, que catarse purificadora, que entrega. Ali, imerso na luz do Sol e
na imensidão da serra, da rocha, do verde, da água, do som do silêncio, ali
esquecem-se problemas, ali sentimo-nos pequenos e insignificantes, ali
entregamo-nos apenas à imponência das panorâmicas, à grandiosidade e à força
da Natureza.
O
Altar de Cabrões e os Picos do
Sobreiro e
dos
Carris sucedem-se numa "espinha dorsal" disposta no
sentido NW/SE, a pouca distância uns dos outros. O Sobreiro é o mais alto dos
três, a 1538m de altitude, exactamente na linha de fronteira. À uma e meia da
tarde entrava portanto em Portugal. A fronteira luso-galega segue para SW, mas
a cumeada acompanha uma outra fronteira, entre os distritos de Vila Real e de
Braga, entre terras transmontanas e minhotas. Entre o Sobreiro e o Pico dos
Carris … eis que nos surge repentinamente a
Lagoa dos Carris,
a represa sobre o vale da
Ribeira das Negras.
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E de repente ... surge a Lagoa dos Carris! 20.10.2010
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A leste, a Nevosa (1548m alt.), o ponto mais alto do Gerês e de todo o
norte de Portugal, 20.10.2010
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À medida que a
Nevosa vai ficando para norte … eis que
surge no horizonte a aldeia "mágica" de
Pitões das Júnias, de
onde havíamos saído na véspera. Um pouco mais à esquerda, os Cornos da
Fonte Fria, ainda na véspera vistos da face norte; entre mim
e
Pitões, os
Cornos de Candela, a sul dos
quais ainda em Junho tinha conduzido os Caminheiros na travessia de Pitões à
Portela do Homem.
14:10h:
Pico dos Carris, 1508m de altitude. Estou agora sobre
a represa dos
Carris e sobre todo o complexo mineiro do mesmo
nome, já meu bem conhecido de anteriores "expedições". Da última vez, tinha-o
atingido vindo de Lapela, pelo Castanheiro, Ribeira das Negras e subindo o
Salto do Lobo. Agora, como que me sentia a sobrevoar aquelas ruínas, 60 metros
acima delas e do início do velho estradão que desce o vale do Alto Homem, que
ainda em Junho havia descido com os Caminheiros. Para sul, as
Lamas de Homem e a zona das
Abrótegas e das
Águas Chocas permitem adivinhar as águas do jovem
rio Homem. Mas desta vez … havia que regressar ao vale das
Sombras. Exactamente com metade do percurso previsto feito (cerca de 16,5 km),
a encosta do Pico dos Carris para o vale da
Amoreira marcou o
início do regresso. E, lá em baixo, corre a
Corga dos Salgueiros da Amoreira, primeiro afluente da margem
direita do Homem. É para lá que me dirijo, seguindo agora de novo para
noroeste.
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Minas dos Carris, do Pico dos Carris: mais memórias perdidas no
tempo... 20.10.2010
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Regresso ao vale das Sombras ... agora ao Sol de
Outono 20.10.2010
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Às três e pouco de uma tarde radiosa atravesso de novo a fronteira,
regressando a terras galegas … e preparando-me para uma descida vertiginosa
que me levaria de novo às
Minas das Sombras. Muitas vezes as
descidas são bem mais penosas que subir, mas o desnível do percurso escolhido
é bem menor do que de manhã … além de que aqui há carreiro feito. Agora nas
poucas horas em que o Sol ilumina o vale, as cores do Outono pintam à minha
frente uma aguarela de sonho, enquanto atravesso um frondoso carvalhal ao
longo da encosta entre o
Rio da Amoreira e o Pico do
Sobreiro. Precisamente quando admiro as cores e a
espectacularidade do vale, recebo um telefonema de um amigo de longa data;
"
se aqui estivesses extasiavas-te como eu", foi só o que consegui
dizer ... mas menos de um ano depois ele estaria lá comigo e com os
Caminheiros Gaspar Correia!
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Poesia de cores outonais, vale das Sombras, 20.10.2010
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Antes das 4 da tarde passo de novo nas
Minas das Sombras e
desço rapidamente o estradão até à cancela onde passara 6 horas antes. A
partir daí, o percurso ia ser de novo diferente do da manhã, descendo o velho
trilho que conheceu os passos de tantos e tantos homens que labutavam nas
minas e subiam e desciam o vale do
Rio de Vilameá, ou vale
das Sombras. 6,2 km de descida foram percorridos
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Rio de Vilameá, Vale das Sombras, 20.10.2010
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em pouco mais de uma hora, mas as numerosas cascatas e piscinas naturais do
Rio de Vilameá não foram por isso menos apreciadas, embora maioritariamente
mergulhadas já de novo nas Sombras das apertadas encostas que, de um e outro
lado, escondem o vale. A Ponte de
Porta Paredes cruza o rio
para a margem esquerda, já a 710m de altitude, e o trilho continua sempre a
descer para
Vilameá, a aldeia que deu o nome ao rio. Pouco
antes, um ligeiro desvio à esquerda permite ver a Ermida de
Nosa Señora do Xurés.
Seis da tarde, Vilameá, 28,3 km percorridos. Faltava … uma das partes mais
penosas da jornada ... 4,2 km de alcatrão, até Lobios e ao "nosso" Hotel
Lusitano, pela estrada proveniente da Portela do Homem. Esses pouco mais de 4
km pareceram-me intermináveis, mas lá foram percorridos em pouco mais de 40
minutos. O telefonema de um outro grande amigo de longa data ajudou a
amenizá-los. À chegada a
Lobios, a minha "sócia" estava
fresquinha que nem uma alface, com um dia de completo descanso em que
praticamente não saiu do Hotel...
J.
No dia seguinte, 21 de Outubro, era o regresso. Situando-se
Lobios a cerca de 15 km do Lindoso, por
estrada, o Lindoso teria de marcar forçosamente o términus deste nosso périplo
por terras do Gerês luso-galaico. Mas claro que por estrada seria
desagradável, embora o estudo das alternativas indicasse que muitos troços
teriam mesmo de o ser. Assim, 15 minutos antes das 10 da manhã de 5ª feira,
estávamo-nos a despedir das simpáticas senhoras do Hotel Lusitano e a partir,
de novo os dois, de mochilas carregadas às costas. Durante menos de 1 km
retrocedemos o percurso feito a solo na véspera, para logo inflectir para
caminhos secundários e carreiros, sempre com a
Serra de Santa Eufémia como pano de fundo.
Rial e Barreal são duas pequenas aldeias
atravessadas, um cruzeiro a seguir a esta última abençoava a nossa despedida.
Com rumo nitidamente a oeste, começámos a descer para o vale do
Lima, mas acompanhando também o vale do
Rio Caldo, que nele desagua. O Rio Caldo é o que vem das
alturas da Portela do Homem e que deu origem aos famosos
Baños de Río Caldo, piscinas naturais de águas quentes.
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Rial, ainda próximo de Lobios, 21.10.2010
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Entre Manín e o vale do alto Lima, em quase fim de jornada, 21.10.2010
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Uma hora de caminho e chegámos à estrada marginal do Lima, mas apenas para
atravessar a ponte na foz do Rio Caldo. Logo a seguir, voltámos a sair em
direcção a
Manín, por uma estradinha secundária que na aldeia
passou a caminho de pé feito. Manín é uma típica aldeia serrana na base da
Serra de Santa Eufémia … onde vimos um único habitante. A
Ermida de Santa Eufémia saudou-nos à saída. Estávamos apenas
a 510m de altitude, mas os meandros da barragem do Alto Lima estão à nossa
frente e, para poente, avista-se já a
Louriça e percebe-se o
Lindoso. Pouco depois do meio dia, com 8 km percorridos,
regressamos à estrada principal, agora sem grandes alternativas. O almoço foi
junto à ponte que, atravessando o Lima, conduz à galega
Entrimo e à nossa
Castro Laboreiro, pela
fronteira da
Ameixoeira.
5 km depois passávamos a fronteira da
Madalena, deixando
assim terras galegas e entrando no concelho de Ponte da Barca. Mais 1,5 km e
estávamos no viaduto da foz do
Rio Cabril. Depois das
fotografias vistas em Agosto, tiradas deste viaduto, e da imagem da Serra
Amarela, agora negra, que se me tinha deparado na 2ª feira anterior … estava
com medo do que ia ver ao longo do vale do Rio Cabril.
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A minha previsão mais
terrífica não se concretizou contudo, felizmente, percebendo-se mesmo assim a
encosta negra para os lados da
Cruz do Touro e das
Ruivas; imaginei como estaria a zona do
Ramisquedo e a encosta sul, virada à barragem de Vilarinho
das Furnas...
Depois de uma pausa na fonte próxima do cruzamento do Muro (o estradão que
sobe à Louriça), às 15:45h e com 17,3 km percorridos chegámos ao
Lindoso … muito a tempo do suposto autocarro das 16:15h para
Ponte da Barca. Eis-nos, portanto, no "Café Vilarinho",
perguntando descontraidamente onde é a paragem do autocarro. Resposta: "
é ali … mas hoje já não há carreira"!!! Como é isso, foi a própria empresa Salvador a informar o horário! Bem,
telefonema para a empresa, passagem do telefonema para o "chefe" … e lá vem
uma resposta: "
pedimos desculpa, foi um lapso, houve uma alteração de horário"; "
então e como se resolve?", pergunto eu! "
Bem, vão de táxi para Ponte da Barca e envie-nos a factura". E assim ... pouco depois estávamos em Ponte da Barca ... e no dia seguinte
estávamos a apanhar o Expresso para Lisboa. Rapidamente as serras ficaram para
trás...
Esta não foi a travessia em autonomia que havia idealizado, mas foi uma nova e
bem interessante experiência, que me e nos levou a vários locais onde ainda
não tínhamos estado nas terras mágicas do Gerês. Em todos os aspectos …
aqueles 5 dias (3 de caminhada) purificaram-nos o corpo e a alma. Mas como
ambicionava e ambiciono percorrer ainda muitos mais locais naquelas terras
mágicas (e noutras…), as "peregrinações" seguintes não tardaram muito ...
quando a duração das horas de luz e o clima primaveril permitiram a "sonhada"
autonomia. A Serra, o Monte, a Natureza, sempre foi e é cada vez mais o meu
modo de estar na vida! Enquanto puder … é a caminhar que quero mostrar a mim
próprio quem sou e o que sou. No Gerês, em
Somiedo, na Malcata – as minhas três "terras
natais"... – mas também em qualquer outro lugar onde haja verde, água,
montanha, céu, onde haja o som do silêncio, os sons e os cheiros da Natureza,
mas também das terras e gentes que nelas labutaram e labutam, que nelas
deixaram as suas tradições, a sua cultura, a sua poesia, a sua música
tradicional.
Álbum de fotos completo neste
link
19/09/2011
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