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terça-feira, 19 de outubro de 2010

Pitões das Júnias - Salgueiro - Lobios
Travessia do Gerês luso - galaico

Como tenho tentado contar através deste blogue, a minha paixão pelas terras "mágicas" do Gerês já vem de há quase 40 anos! Depois da "descoberta", pela mão do saudoso Prof. Carlos Almaça, levei eu durante anos, já como professor, largas centenas de alunos a conhecerem aquelas serras, terras e gentes, de Tourém a Castro Laboreiro. Em Março de 1989, fiz pela primeira vez a travessia Pitões das Júnias – Fonte Fria – Carris – Portela do Homem – Caldas do Gerês, acompanhado de um grupo de 12 alunos e um
Pitões das Júnias, 19.10.2010, 8:30 h, 4ºC
outro professor e grande amigo. Tanto antes como depois dessa "histórica" travessia, perdi a conta às minhas deambulações pelo Gerês, com alunos, em família, sozinho, ou com os Caminheiros a que em boa hora entretanto me associei. Sem que para isso haja grande explicação, afeiçoei-me sempre mais às zonas centro e leste do Parque Nacional, particularmente à Serra do Gerês.
Apesar dos périplos atrás referidos, muitas zonas havia e há ainda para conhecer e descobrir naquelas terras mágicas. Há algum tempo que tinha começado por isso a congeminar uma travessia mais ou menos em autonomia, passando precisamente por algumas dessas zonas que ainda queria conhecer. Já tinha subido por duas vezes ao Borrageiro, a partir da Teixeira e do Camalhão, mas nunca tinha percorrido as Sombrosas ou o vale do Conho, por exemplo; e outras zonas, claro. Assim, "desenhei" um projecto e lancei um desafio a alguns amigos, sabendo contudo de antemão que não seria  fácil  arranjar acompanhantes,  já  que  o projecto implicaria uns  5  dias  e  a maioria  dos amigos com
"estaleca" para o fazer não estão reformados como eu…! Por outro lado, não seria nunca possível marcar uma data específica para concretizar o projecto, já que o mesmo dependeria essencialmente das previsões meteorológicas. Jamais me passaria pela cabeça a inconsciência de me meter e meter alguém numa "aventura" … com o objectivo de "passear" de helicóptero e de aparecer nas televisões…! A data de concretização do projecto … seria portanto a primeira em que a meteorologia garantisse pelo menos 5 dias seguidos de tempo seco e pouco nublado. O FreeMeteo é uma das muitas "bíblias" que hoje permitem que só se vá para a serra em dias de temporal e chuva forte … se se for completamente inconsciente.
Vai começar a "aventura"...   19.10.2010
Até meados de Outubro de 2010, apesar de reformado, os dias livres na minha agenda não coincidiram com bom tempo. Estando na disposição de avançar mesmo que eventualmente sozinho, a minha "sócia" e possível acompanhante ergueu contudo a "bandeira" das temperaturas que começavam a descer, dos dias que começavam a ter poucas horas de luz, das dificuldades daí resultantes para a eventual passagem de uma ou mais noites na serra. E ditou, assim, duas "leis": "proibia-me" de ir sozinho, mas dispunha-se a acompanhar-me … desde que ficássemos "debaixo de telha". Bem, como as "leis" são para se cumprir … estudei as alternativas que o permitissem. Por exemplo, já tinha estado na Nevosa … mas nunca tinha subido ao Altar de Cabrões; já tinha estado nos Carris, vindo de Pitões ou de Lapela … mas não conhecia as Minas das Sombras, as "irmãs" galegas dos Carris; do lado galego, há muito queria conhecer o carvalhal da Barxa e a aldeia abandonada de Salgueiro. E assim, pegando nestes elementos, foi-se desenhando uma travessia entre Pitões das Júnias e Lobios, maioritariamente portanto pelo Xurés galego, que permitiria cumprir a "lei" de dormir "debaixo de telha" e de, a partir de Lobios, "conquistar" as alturas das Sombras e dos picos fronteiriços. Isto sabendo de antemão que esta jornada de ida e volta, a partir de Lobios, seria relativamente dura: cerca de 33 km … e mais de 1100 metros de desnível a vencer!
Ao fundo a barragem de Paradela, rumo à raia, 19.10.2010
Num projecto deste género (bem como no inicialmente delineado), o carro seria um estorvo. Deixávamo-lo em Pitões? E depois? Não tenho telecomando para o teletransportar para Lobios... J! Mas de Lobios ao Lindoso são apenas 15 km, que com uma ou outra variante pela base da Serra de Santa Eufémia … dariam para uma terceira caminhada. Assim, havia portanto que chegar a Pitões das Júnias … e que regressar a partir do Lindoso. O passo seguinte era fácil: estudar as empresas e os horários dos autocarros. Entretanto a meteorologia apontou para uma semana entre 18 e 22 de Outubro com céu limpo praticamente em todo o país … nomeadamente nas terras "mágicas" do Gerês. As condições estavam reunidas ... para uma "modalidade" de viajar que, adoptada aos quase 60 anos, convenhamos que não será muito usual... J! Nalguns troços pedestres em que necessariamente tivemos de ir ao longo de estradas … até gostava de saber o que terá passado pela cabeça de quem se deparava com a imagem de dois "peregrinos" quase sexagenários, estrada fora, de mochilas às costas (a minha bem grande…), um deles careca e a outra de cabelos brancos...
E assim, na 2ª feira 18 de Outubro de 2010, pouco antes das dez da manhã, estávamos a sair de casa a pé, de mochilas às costas, despedindo-nos ainda da nora e netas … com estas últimas muito admiradas com o "filme" que estavam a ver... J! O primeiro dia foi rumo a Braga e depois a Montalegre. Na viagem Braga / Montalegre tive um choque: só pode ter sido por autodefesa … mas não me lembrei que ia ver a Serra Amarela... Além do choque resultante de não me ter lembrado que ia ver a imagem que vi … a imagem que vi era pura e simplesmente dantesca! Em momento algum da minha muita indignação daquele verão imaginei que o cenário era aquele! E obviamente … só vi uma parte. Ainda pensei puxar rapidamente da câmara … mas não quis reter ainda mais aquele cenário. Toda a Serra Amarela … era uma Serra Negra! Mas negra de carvão! Toda a zona adjacente ao S. Bento da Porta Aberta; toda a encosta a oeste da barragem da Caniçada, portanto a zona da Junceda e da Calcedónia, com o Pé de Cabril ao fundo, único morro que sobressai do inferno negro abaixo dele; toda a encosta oeste do vale do Rio Gerês e até parte da encosta leste (portanto já Serra do Gerês), todo esse cenário era dantesco … e a acrescentar ao cenário duas grossas colunas de fumo soltavam-se da meia encosta; acredito que fossem queimadas controladas … mas não sei. Felizmente o autocarro passou a mostrar a Serra do Gerês, a Amarela agora negra ficou para trás … mas a imagem ficou gravada. As alturas das Rocas Alva e Negra, as barragens do Cávado e o planalto da Mourela lá ao fundo, para onde íamos naquele dia esplendoroso, conseguiram-me consolar um pouco. E depois de Salamonde o autocarro passou a ser quase que exclusivamente de transporte de escolas … pelo que o motorista resolveu pôr o Dartacão a passar no vídeo de bordo... J!
Às 18:15h estávamos em Montalegre ... e uma taxista levou-nos rapidamente à aldeia "mágica" de Pitões
Prosseguimos no Xurés galego, 19.10.2010
das Júnias! Em Pitões, as minhas "velhas" amigas Marias já nos esperavam. A "Casa do Preto" e a Srª Maria (mãe) são o nosso poiso em Pitões desde a primeira vez que lá fomos, há mais de 30 anos. Quantos serões passados à sua velha lareira, com grupos de alunos que ficavam aos 4 e aos 5 em cada um dos poucos e pequenos quartos que então ela alugava; a Srª Maria (filha) conhecemo-la desde jovem e a Sandra (neta) … quase desde que nasceu! Num dia de semana e em época já baixa … é claro que fomos os únicos hóspedes … mas a bela posta de vitela barrosã claro que não podia faltar … até porque precisávamos de energias para a caminhada do dia seguinte.
E no dia seguinte, 19 de Outubro, sete horas e pouco, ainda noite, estávamos a pé. Temperatura exterior … 4ºC; já está fresquinho…! Higiene, arrumações, mochilas carregadas com toda a "tralha" necessária. O padeiro vinha às 7:45h, as Sr.as Marias serviram-nos o habitual pequeno-almoço, trocamos impressões sobre as caminhadas que vamos fazer ... e às 8:30h estávamos a partir a pé, rumo a norte, à Portela de Pitões, por caminho meu bem conhecido, já que este troço inicial é o mesmo que segue para as alturas da Brazalite e da Fonte Fria. Recentemente alcatroado até à fronteira, abandonámos contudo o caminho principal por alturas do Outeiro do Grosal e das Lamas da Portela, com a Fraga da Espinheira a dominar a paisagem a poente … onde o velho carreiro desapareceu na vegetação e nos obrigou a um pequeno troço de corta-mato. Pouco mais de 5 km feitos … e estávamos a entrar no Xurés galego, a 1290m de altitude, mais 170 do que Pitões. A panorâmica era magnífica tanto para terras lusas, com a barragem de Paradela ao fundo, o sempre visível ponto branco da Capela de S. João da Fraga, a espinha dorsal da Serra do Gerês a sudoeste; para norte e nordeste, terras galegas e parte do "dedo" português onde se situa Tourém, que contudo não se vê; a barragem de Salas e as aldeias galegas de Randín, Maus de Salas, Guntumil e outras, essas salpicavam a paisagem. O Albergue da Serra do Pisco também se via, na encosta junto à estrada fronteiriça da Portela de Pitões.
Carballeira da Barxa, Xurés galego, 19.10.2010
Agora a descer a encosta galega, rapidamente começamos a ver a poente a mancha florestal para onde nos dirigimos: a Carballeira da Barxa, um carvalhal espectacular, onde o musgo invadiu as pedras e as árvores. A barragem de Salas continua a dominar a paisagem a nordeste, agora sim chegam-se a ver as últimas casas de Tourém, e a sul surge-nos uma imagem bem minha conhecida … mas nunca vista daquele ângulo: os Cornos da Fonte Fria destacam-se contra o céu azul. Pouco passava das 11 da manhã (hora portuguesa), quando entrámos nas sombras de um mundo saído de uma história de gnomos e duendes do bosque. Cores outonais havia ainda poucas, mas água jorrava de todas as encostas, por vezes mesmo acompanhando-nos na marcha ao longo de velhos carreiros. Ultrapassado um caudaloso regato vindo das alturas das Gralleiras … recomeçamos a subir, primeiro em direcção SW e inflectindo depois para NW, saídos já do carvalhal. Com 10,2 km percorridos e novamente a descer para a aldeia abandonada de Salgueiro, resolvemos fazer a paragem para almoço pouco antes de lá chegar. O dia continuava esplendoroso, uma sombra no caminho e umas pedras que fizeram de bancos foram providenciais. E o almoço foi … arroz de tamboril! Enlatado e pré-cozinhado, claro... J! Mas não deixou de ser acompanhado por um néctar do Douro … embora também por água do último regato por onde tínhamos passado.
A aldeia de Salgueiro foi abandonada em meados do século passado, pertencendo hoje ao Governo da Galiza, que está a restaurar as casas e a transformá-la naquela que virá a ser a primeira aldeia ambiental galega. É necessária uma autorização, a pedir ao "Parque Natural Baixa Limia / Serra do Xurés", autorização que obviamente tínhamos pedido e transportávamos connosco … mas que ninguém nos pediu … até porque naquele dia não havia ninguém a trabalhar no restauro da aldeia. Trata-se de uma típica aldeia serrana, com as suas casas de pedra, algumas com telhados de colmo, todas elas em processo de restauro, algumas a ser transformadas em museu, bem como a sua velha igrejinha.
Carballeira da Barxa em tons de Outono, Xurés galego, 19.10.2010
A aldeia abandonada de Salgueiro, Xurés galego, 19.10.2010
Passada Salgueiro … nova subida! Permite-nos apreciar o conjunto da aldeia. Dirigimo-nos agora francamente para oeste, passamos a Corga das Cuartas, junto da qual deixamos o concelho de Muiños, para entrar no de Lobios. Ao fundo, parecendo chamar-nos ao longe, vemos já as antenas da Louriça, na Serra Amarela, e as de Santa Eufémia, por cima do nosso destino, Lobios. A barragem do Alto Lima também aparece já no nosso horizonte. Começamos definitivamente a descer, agora para o vale do rio Mao. Com 16,7 km feitos, às três da tarde chegamos à estrada OU-1206, Cela – Lobios, e pouco depois atravessamos a aldeia de Puxedo. A distância que nos faltava percorrer para Lobios sabíamos que teria de
Vale do Rio Mao, Xurés galego, 19.10.2010
ser maioritariamente por estrada, mas felizmente estradas muito secundárias e com bermas que davam para a fuga ao alcatrão. Mesmo assim, sempre que possível procurámos os atalhos que a carta nos indicava, no sentido de sair da estrada e encurtar distância. A primeira "saída de estrada", a seguir a uma aldeia chamada Vila, não correu muito bem: o velho sendeiro que a carta indicava era tão velho … que já não existia; obrigou-nos a um troço de corta-mato um pouco fastidioso, ainda por cima numa zona onde as moscas proliferavam. O segundo corte correu melhor: no vale do rio Cabaleiro, desembocámos facilmente na Ponte de San Martiño, a poucos quilómetros já do nosso destino. E assim, às 17:20h e com 25,1 km percorridos, estávamos em Lobios … e no também já nosso velho conhecido "Hotel Lusitano".
Veja o vídeo desta "aventura", mas também o álbum de fotos completo neste link


19/09/2011

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