No ainda mais longínquo ano de 1966, havia feito uma primeira incursão a Marrocos com meus pais e irmão, até Goulimine, ao sul de Agadir. E, em 1984, a carrinha VW então acabada de comprar tinha-me já levado a Ceuta ... talvez como "ensaio" para o projecto que começara a desenhar: uma viagem até às areias do Sahara ... porque não mesmo até ao antigo Sahara espanhol, território disputado entre Marrocos e a Frente Polisário ... e onde se situa o Cabo Bojador?
Próximo de Alcácer Seguer, costa norte de Marrocos, 14.07.1985 |
Vários condicionalismos pesavam contudo sobre este projecto: não seria certamente uma viagem recomendável para crianças de 3 e 7 anos (idade dos meus dois filhos, na altura) ... nem para fazer sozinhos; um casal amigo, eles como nós professores do ensino secundário, aceitou de bom grado a proposta.
Os problemas derivados de uma situação de guerrilha constituíam um condicionalismo ... mas também por outro lado um aliciante! A famosa "Marcha Verde" de Hassan II sobre o Sahara Ocidental ... tinha sido há apenas 10 anos ... e a disputa sobre o controlo do
território perdura até hoje.
Assim, a 12 de Julho de 1985 estávamos a partir para uma "aventura africana" ... que nalguns aspectos viria a ser mesmo uma aventura...J! Quase no Trópico de Câncer ... tivemos frio, no Cabo Bojador; suportámos temperaturas de 60º em Smara, a uma escassa centena de quilómetros da fronteira da Mauritânia; passámos por tempestades de areia e vimos miragens no deserto. Quase fomos obrigados a passar a noite nele ... com a nossa pobre VW avariada! Velhinha de 16 anos, as condições extremas foram fortes demais para ela, cujo pobre motor foi aberto nada menos de três vezes! Mas nunca parou, mesmo sem dínamo ... e a espirrar óleo por tudo quanto era sítio! 26 anos depois, restam-nos as recordações ... e quase meio milhar de slides para rever...!
As primeiras imagens deste "outro mundo" tivemo-las logo em Tanger, Arzila ... e em Alcácer Quibir. Depois, as grandes cidades de Rabat e Casablanca. E, sempre para sul, a histórica presença portuguesa sentia-se em Azamor, Mazagão, Safi, Mogador. Mas a verdadeira sensação de uma Natureza diferente,
começámo-la a sentir depois de Agadir. Era o
"cheiro" do deserto ... principalmente quando
uma placa de grandes proporções nos informava
que estávamos ... a 2580 km de Dakar!
E o primeiro "cheiro" sentimo-lo a caminho de Sidi
Ifni, antigo enclave espanhol na costa atlântica de
Marrocos. Pouco depois estávamos em Guelmim...
muito longe de sonhar que, no regresso ...
passaríamos lá 3 dias!
No dia 21 de Julho passávamos as zonas costeiras
de TanTan e Tarfaya ... e entrávamos no Sahara
ocidental!
Próximo de Laayoune, |
Sahara ocidental, 21.07.1985 |
E às quatro e meia da tarde de uma 2ª feira, 22 de Julho de 1985 ... chegávamos ao Cabo Bojador. Tínhamos ligado por terra o que Gil Eanes ligara por mar, há mais de meio milénio.
Objectivo atingido: Boujdour, Cabo Bojador, 22.07.1985 |
Foi esta a costa que Gil Eanes vislumbrou ... a sul do Bojador |
Mas, nestas paragens que já foram consideradas o " limite da terra habitável " ... a nossa velha VW começou a dar sinais de "doença": ruídos estranhos que, de início, julgávamos tratar-se do escape roto, e, para cúmulo, luz de bateria a acender de vez em quando!
Com estes credos na boca ... em Boujdour fomos hóspedes do então Caïd local ... até porque não existia qualquer unidade hoteleira. E que fabuloso jantar árabe tivemos em sua casa, confeccionado pela sua também simpática esposa ... de nome Fátima!
Poucos anos depois desta "expedição", a estrada alcatroada chegava já a Dakhla - a antiga Villa Cisneros - e à fronteira sul com a Mauritânia ... permitindo sonhar com a ligação Lisboa - Dakar - Bissau sempre pelo litoral. Mas nós ... íamos afastar-nos do litoral; antes da uma da tarde do dia seguinte, 12º dia de viagem, estávamos a iniciar o regresso, partindo de Boujdour rumo ao norte ... e à aventura...J!
10 de Fevereiro de 2011
1 comentário:
Neste excelente documentário, em que se descreve o meio físico e se faz o enquadramento histórico, só faltou precisar se a meia dúzia de baratas, era mesmo uma meia dúzia de seis! Gostei!
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