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segunda-feira, 28 de julho de 1975

À descoberta do Parque Nacional da Peneda-Gerês

Pela mão do saudoso Professor Carlos Almaça, que nos leccionava a cadeira de Zoogeografia, parti a 24 de Julho de 1975, com a minha mulher e outros colegas daquela cadeira ... para 5 dias à descoberta do Parque Nacional da Peneda-Gerês. A postura firme, respeitosa e séria do Professor Almaça, que já conhecíamos das aulas ... era afinal também uma extraordinária postura de jovialidade, de camaradagem, de perfeito à-vontade.
Recordo como se fosse hoje as primeiras sensações naquele paraíso. O Professor Almaça e os mais "endinheirados" ficaram no Hotel, na vila do Gerês. Nós ... ficámos no velhinho Parque de Campismo da Mata de Albergaria, junto à fronteira. Que cenário! Que sensação de comunhão! Nesse tempo não havia incêndios! Mas, em nome de uma pseudo-conservação ... o parque de campismo de Albergaria foi fechado pouco tempo depois. O Clube Académico do Porto ainda ali construiu uma casa abrigo ... mas os "abutres" voltaram a surgir e fecharam a casa. Hoje ... está no mais completo abandono...
No Parque Nacional da Peneda-Gerês, 26.07.1975                                                       Turfeiras no Planalto da Mourela, 27.07.1975
Aqueles 5 dias foram para mim de deslumbramento. Percorremos o Parque Nacional, do Planalto de Castro Laboreiro ao Planalto da Mourela. É certo que pouco percorremos os trilhos da serra - andámos basicamente nos caminhos em que a carrinha do Parque podia circular - mas todos os momentos eram para mim de emoção, de contemplação, de êxtase. A serra do Soajo, a anta do Mezio, no outro extremo Tourém, a barragem de Salas, Pitões das Júnias (a que mais tarde eu chamaria "a aldeia mágica"), a aldeia perdida de Vilarinho da Furna, desaparecida havia apenas pouco mais de 3 anos, o vale do Alto Homem, as panorâmicas da Junceda e da Pedra Bela, a cascata do Arado ... nomes que me passariam a ser familiares, locais que passariam a ser um pouco "meus", águas, matas e fragas que me passariam a chamar ao longo de toda a vida.
Vale do Alto Homem, 28.07.1975                                                                     Miradouro da Junceda, 28.07.1975
Criado havia menos de 5 anos, o nosso único Parque Nacional cativou-me para sempre. Outras terras, outras gentes ... que passaram a ser "minhas", especialmente a Serra "mágica" do Gerês. Aquelas fragas apontadas aos céus, entre Pitões e o vale do alto Homem - os Cornos das Alturas, os Carris, o mítico Altar de Cabrões - tinham-me ficado gravadas como imagens vivas, lá longe, no cume da serra a que o Professor Almaça me levara. Saí de lá dizendo ... tenho de um dia me embrenhar naquelas serras, galgar aquelas fragas, beber aquelas águas, entregar-me àquela catarse purificadora.
As fragas do destino ditariam que, se eu tinha descoberto o Gerês como aluno ... voltaria lá como professor durante as duas décadas seguintes!
25 de Janeiro de 2011

sábado, 19 de julho de 1975

Os anos revolucionários (1): 1974 / 75

30 de Março de 1974: as primeiras fragas da "nova vida" foram na Arrábida ... com a família Ribau. Tinha combinado com eles e outros da Espeleologia participar numa actividade que incluía o treino inicial de novos espeleólogos. Outros iam começar a vida fabulosa que eu tinha começado 3 anos e meio antes! Acampámos na mata sobre o fojo dos morcegos, onde descemos no dia seguinte. O céu estrelado que se via por entre as clareiras transportava-nos em silêncio para um universo sem tempo. E de novo vieram os cânticos, a convivência ... mas também o amor.
Quando o grupo voltou a Lisboa - na velha VW do Ribau - nós dois seguimos a pé para o Portinho, onde acampámos em plena praia; tínhamos acabado o 1º semestre do 2º ano da nossa Licenciatura em Biologia. Quis o destino que só voltasse a ver o meu ex-professor Ribau 5 anos depois; e a filha Ana Maria, que viveu com o grupo em que eu estava tantas "aventuras" espeleológicas ... 37 anos mais tarde!
Nestes três dias acampados na Arrábida, apenas pensávamos em nós mesmos. Passeávamos pela areia, íamos até à pequena mercearia comprar leite e pão, vestíamos a nossa "farda" submarina, explorávamos a costa rochosa, íamos até à Pedra da Anicha. De regresso, mochila às costas e alegria na alma, fomos a pé do Portinho ao Outão, para apanhar o autocarro ... mas também uma valente carga de água...J!
Acampamento no Portinho da Arrábida, 31 de Março de 1974

Em Abril de 1974 - poucos dias antes da Revolução - voltámos  a  Vale de Espinho ... no  novo  "estatuto"
Vale de Espinho, 16 de Abril de 1974
de recém-casados...J! Era o início de um desbravar da "minha" Malcata, das águas do Côa, dos convívios e patuscadas à beira-rio; eram as terras e as gentes que eu estava a começar a adoptar.
A 25 de Abril de 1974, assistimos com o resto do País e do mundo à queda do Estado Novo. Seguem-se os anos revolucionários, revolu-cionários a todos os níveis, incluindo na Faculdade de Ciências e na nossa Licenciatura em Biologia, como em todas as outras.
Mas o ano de 1974 também teve outro rótulo: casados desde Dezembro, ambos precisávamos tanto "de amor e de sossego" ... mas também "preciso dum emprego"...J! Em Agosto de 1974 ... arranjaram-me um emprego! Empregado no Arquivo de Identificação de Lisboa, desde Agosto de 1974 ... encontrávamos contudo sempre tempo para os acampamentos na Arrábida, para as idas a Vale de Espinho ... tempo para viver e conviver.
Entretanto, o espectro da guerra colonial dissipava-se com a revolução. Com sucessivos adiamentos de incorporação, devido à frequência da licenciatura, quando 3 anos depois a terminei passei directamente à reserva territorial. O serviço militar não fez parte, portanto, das minhas vivências.
Portinho da Arrábida, 4 de Agosto de 1974
25 de Agosto de 1974 - Acampamento no Parque de Campismo do Guincho
Os anos conturbados de 1974 a 76 marcaram também uma certa viragem nas minhas e agora nossas "aventuras". Já não mergulhava desde Abril de 73, a não ser pequenas "explorações" em apneia. Mas a viragem também operada na estrutura do Curso de Biologia, trouxe-me uma cadeira de Oceanografia Biológica ... e trouxe-me a possibilidade de voltar a mergulhar, desta vez "pela mão" do saudoso professor Luís Saldanha. Em Maio de 1975, acampei e mergulhei com ele e com os colegas daquela cadeira.
11.05.1975 - Mergulho ao largo de Tróia                                                                      28.05.1975 - Lagos, preparativos de mergulho
Contudo, o "verão quente" de 1975 parecia estar a operar uma certa "revolução" também em mim: o apelo do mar estava a diminuir ... na mesma proporção em que aumentava o apelo do campo, das florestas, da serra. Afinal ... não tinha eu começado as minhas "aventuras" em terra...J? Não voltei a mergulhar com garrafa, desde Maio de 1975. E a "revolução" foi tão grande que, nas cadeiras opcionais do curso, à citada
Tapada de Mafra, 19 de Julho de 1975
Oceanografia Biológica seguiu-se ... a Dinâmica dos Ecossistemas Terrestres. Dois espectaculares fins de semana passados na Tapada de Mafra, em Junho e Julho de 1975, em trabalhos práticos para a cadeira de Ecologia Geral, terão contribuído também para esta viragem. Obrigado Dr. Carlos Magalhães! Passámos esses fins de semana com ele, a família e os colegas da cadeira, instalados na Pousada Real, percorrendo quase toda a Tapada, a pé e de jeep. Ele e a família ainda hoje são felizmente grandes amigos! Que maravilhosas recordações do convívio entre todos, dos trabalhos de campo, das contagens de roedores, da procura dos dejectos de cervídeos ... e da noite em que julgámos ouvir o ronco de um javali ... confundindo-o com o ressonar de um colega que adormeceu...J!
Poucos dias depois ... iria começar a apaixonar-me pela segunda das minhas actuais "terras natais".
25 de Janeiro de 2011

quinta-feira, 23 de agosto de 1973

Cantando é como se dissesse: estou aqui !

Para além das paisagens e dos grandes espaços que as viagens paternas me tinham  mostrado,  para  além
Santa Cruz, 20 de Maio de 1973
das muitas fragas galgadas nos "anos loucos" de 1970 a 72, um recanto natural que me era e é familiar desde que nasci são os pinhais e as arribas costeiras da Praia de Santa Cruz, Torres Vedras.
Quantas contemplações daquele mar impetuoso, galgando as "varandinhas" da Praia Formosa, ou o sopé do Penedo do Guincho. Quantas caminhadas pinhais fora, ou pelas arribas, entre a Praia Azul e Porto Dinheiro. E, também ... quantas passeatas na bicicleta ou na motorizada alugada ao "velho" Sr. Filipe ... incluindo vários "malhanços"...J! Quantos anseios sonhados...
Agora que, em 1973, eu tinha uma companheira ... era "obrigatório" levá-la a Santa Cruz...J! E se em Abril eu tinha conhecido Vale de Espinho ... em Maio ela conheceu as arribas e os pinhais de Santa Cruz. Claro que, mais uma vez ... brasinha, brasinha, cada um em sua casinha...J!
E chegamos ao Verão de 1973.  A Paróquia de Moscavide, onde a minha arraiana vivia,  organizava  todos os anos uma Colónia de Férias para jovens, junto ao Santuário dos Remédios, no Cabo Carvoeiro, Peniche.
Colónia nos Remédios, Peniche,
12 de Agosto de 1973
Em 1973, foi de 10 a 25 de Agosto: 15 dias que passei, acampado ... em frente da Colónia de Férias dos Remédios...J! Mas não fui o único! Outros que, como eu, tinham o "estatuto" de namorados das gaiatas, ali estavam também!  Naqueles 15 dias,  muitas vezes  íamos
Cabo Carvoeiro, 16.08.1973
para o Cabo Carvoeiro depois do jantar, ver o mar e o céu, cantar, viver a nossa juventu-de. Outras vezes íamos a pé à vila, a Peniche, algumas vezes até de madrugada, ao pão quente. Era uma colónia de férias da paróquia, mas até a missa era momento de conví-vio e de canto. Obrigado Padre Cosme e Padre Cartageno ... obrigado Francisco Fanhais, pelas muitas músicas que dele cantávamos ... porque "cantando é como se dissesse: estou aqui ! "
No dia 22, fomos no velho "Cabo Avelar Pessoa" até ao paraíso das Berlengas. Passámos lá o dia, entre o mar e o céu. Parecia-nos que o tempo tinha parado, que nada mais havia no Universo senão nós, as águas transparentes e as rochas luzidias!

Ao regressar a Lisboa, deixei para trás a última "aventura" daquela etapa da minha vida ... a vida de solteiro. Ao passar, perto da Lourinhã, na placa que dizia "Bolhos 4 km", não deixei de relembrar que foi ali que tudo começou, na Espeleologia, nas grutas de Bolhos, quase 3 anos antes. Juntámos os "trapinhos" em Dezembro de 1973.
20 de Janeiro de 2011

domingo, 22 de abril de 1973

Vale de Espinho, uma melodia a 4 estações...

Pelos  caminhos  da  Espeleologia,  dos acampamentos,  das muitas fragas  e trilhos percorridos, os nossos
Vale de Espinho, Rio Côa
19 de Abril de 1973
campos e as nossas aldeias tinham-me ensinado a respirar o ar puro, a conviver, a criar uma paixão pela Natureza e pelo mundo rural. Em Abril de 1973, o romance havia pouco iniciado levou-me a uma aldeia raiana que, 20 anos antes, vira nascer aquela que viria a ser minha mulher; aldeia, terras e gentes que adoptei e que me adoptaram, que tenho calcorreado e desbravado ao longo de quase 40 anos! Vale de Espinho, nas terras de RibaCôa do concelho do Sabugal, separada da Beira Baixa pelas alturas da Serra da Malcata ... passou a ser a "minha" aldeia, o retiro espiritual de tantos e tantos encontros com a Natureza ... desde esses primeiros 5 dias maravilhosos ... nas férias da Páscoa de um longínquo 1973.
Trinta e três anos depois, em 2006 escrevi para um filme a que precisamente chamei ... "Vale de Espinho, uma melodia a 4 estações":

"Em Abril de 1973, conheci pela primeira vez Vale de Espinho. Desde então, apaixonei-me verdadeiramente pelas terras e gentes raianas, por esta aldeia que viu nascer gente que passou a fazer parte da minha vida.
Sem nele ter tido aparentemente origem, o mundo rural sempre me fascinou. Aqui, na "minha" Vale de Espinho, sinto que pertenço a estas terras e a estas gentes, aos blocos de granito imponentes, às lâminas de xisto brilhando ao Sol, à "minha" Malcata, onde infelizmente já não correm os linces, mas em cujas encostas verdejantes cantam as águas que se juntam no Côa, no Bazágueda, na ribeira da Meimoa.
Ao longo de mais de 30 anos, a minha paixão por estas terras foi-me levando a calcorrear cabeços e vales, das paisagens ribeirinhas do Côa às serras do Homem de Pedra, de Aldeia Velha, das Mezas, por trilhos de lobos e de javalis, por barrocos e nascentes.
Conheci os Urejais, as Fontes Lares, as Colesmas, o vale dos Abedoeiros, o vale da Maria, a Fonte Moura, o Nabo da Cresta, o Alcambar; de Vale de Espinho cheguei a Valverde, subi à Pedra Monteira, ao barroco ratchado, percorri os caminhos da Ventosa e do Espigal, da Malhada do Barroso, do Poço do Inferno, da Marvana; passei a Quinta do Major, fui ao Fragão, ao Salgueirinho, aos moinhos do Bazágueda, ao Vale Longo, às Quelhinhas ... e a tantos e tantos outros lugares cheios de energia telúrica, convidativos à poesia, à contemplação, à meditação.
A maioria destes caminhos fi-los sozinho, só eu e a Natureza, numa verdadeira melodia a 4 estações, por vezes partindo antes de o Sol raiar, precisamente para o ir ver levantar-se ante a imponência das fragas e do horizonte a perder de vista. Só assim se vivem e se sentem os ares, os sons, os cheiros da Natureza.
Nas Veigas com o avô Quim,
19 de Abril de 1973
Este filme é a minha singela homenagem a estas terras de encanto e encantamento, às suas raízes e tradições, a todas estas cores, sons e cheiros, às vozes das suas gentes simples e sãs, para quem a roda das estações gira ao sabor das melodias de uma Natureza agreste, inspiradora e saudável."

Mas voltemos a recuar no tempo. Aqueles 5 dias de Abril de 1973 foram inesquecíveis. Conheci os avós da minha  "tão  linda
Fontes Lares, foto "histórica" no
barroco "sagrado", 1963
arraiana"; conheci as ruas e as estreitas "quelhes" da aldeia, de casas de pedra, as lojas para os animais por baixo da habitação, conheci os lameiros onde labutavam homens e animais, conheci a vida rude, sã e pura do campo. Logo no segundo dia, fomos às Fontes Lares a pé, a cerca de 4 km da aldeia. É um sítio com recordações gravadas nas memórias da família onde estava a entrar, com a sua nascente de água pura e cristalina, o barroco do qual parece brotar energia telúrica, a que mais tarde eu viria a chamar o "barroco sagrado".
E, claro, o Côa, ali ainda relativamente perto da nascente, antes de atravessar toda a Beira Alta e se precipitar no Douro. Que saudades do velho Freixial, das Aleguinhas, das trutas que víamos correr nas águas cristalinas e gélidas.
A minha arraiana e os pais ficaram em casa da avó materna; eu, claro ... fiquei em casa dos avós paternos. E mesmo assim, em 1973, já era uma grande ousadia alguém de fora querer "roubar" uma moça da aldeia. Sempre que um rapaz de fora iniciava namoro com alguma, era autuado pelos da terra, isto é, intimado a pagar a "patenta". Esta constava geralmente de um cântaro de vinho, acompanhado por tremoços e amendoins e, por vezes, por uma bucha – pão com chouriço ou com outro petisco. As raparigas envolvidas nesses namoros sentiam-se, por um lado, envaidecidas por serem procuradas, mas ao mesmo tempo criticadas face à aceitação de um rapaz de fora. A recusa do pagamento da patenta podia ser interpretada como querer fazer pouco, não só da rapariga como da rapaziada local. O forasteiro ou assumia e pagava, ou desandava dali. Contudo ... nunca paguei a patenta...J! Talvez porque a rapaziada de Vale de Espinho já sabia que eu viria a ser filho adoptivo da raia...J!
Fontes Lares, 20 de Abril de 1973                                                                    Freixial, Rio Côa, 21 de Abril de 1973
Aqueles 5 dias foram inesquecíveis ... mas muitos outros se seguiram naquelas terras de encanto e encantamento ... ao longo já de quase 4 décadas!
Tal como o filme de 2006, este artigo é dedicado à memória do meu saudoso sogro, José Clemente Malhadas, o "Zé Malhadinhas", filho de Vale de Espinho e das terras raianas.
19 de Janeiro de 2011