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quarta-feira, 6 de agosto de 1997

Quando descubro a minha terceira "terra natal" ... no paraíso de Somiedo

   "La llegada'l ñuberu", Xuacu Amieva, "Tiempu de mitos"

Uma terra natal é onde se nasce ... normalmente...J! Também se pode adoptar uma terra natal, quando descobrimos terras que passam a chamar-nos, às quais nos sentimos pertencer, pelas quais nos apaixonamos, quando cada fraga, cada cheiro, cada cor e cada som nos trazem sensações de comunhão, purificação, libertação, catarse. Nos primeiros artigos deste blog, desde logo falei nas minhas três "terras natais". Duas delas descobri-as há quase 4 décadas: a raia Sabugalense, num largo raio  à volta  da  minha
Íamos virar para o paraíso..., 4.08.1997
Vale de Espinho ... e o Gerês! A terceira, a minha terceira "terra natal" ... só vim a descobri-la em 1997! Com vários périplos pelas comunidades do norte da Península, com uma paixão crescente pelo paraíso asturiano ... como tinha sido possível deixar para trás o Parque Natural de Somiedo, as montanhas e os vales "perdidos" de Teverga e de Quirós, os valles del oso, bem no coração da cordilheira cantábrica, no sudoeste das Astúrias?...
Embora em condições meteorologicamente muito pouco favoráveis, como veremos, mas seriam as férias de 1997 que me iam revelar o paraíso de Somiedo. Depois do Alto Tejo, Douro e Ebro, depois do Canyon de Rio Lobos e do Pico Tres Mares, depois da praia na costa cantábrica, passámos Ribadesella, Arriondas, passámos próximo de Oviedo, e por alturas de San Antolin, junto ao rio Narcea ... a placa de Somiedo chamava finalmente por mim! Passaram-se 14 anos, passaram muitas fragas, mas lembro-me
Estávamos a entrar no paraíso de Somiedo, 4.08.1997
como se fosse hoje daquele dia 4 de Agosto de 1997. Contrariamente aos anteriores, o céu estava enevoado, ameaçando chuva, mas à medida que nos aproximávamos de Belmonte de Miranda e, passada esta, nos embrenhávamos no apertado vale do rio Pigueña ... a minha sensação era a de estar a entrar num outro mundo, o mundo das montanhas "mágicas", das encostas verdejantes, as montanhas e as encostas de "onde l'agua ñaz", onde pululam xanas, ñuberus e tantas outras figuras da riquíssima mitologia asturiana. Sentia-me a fazer parte daqueles bosques, protagonista de um "tiempu de mitos", companheiro dos últimos ursos pardos, que ainda habitam aqueles bosques e vales encantados.
Agüerina, Aguasmestas, La Riera, eram nomes que iriam ficar para sempre gravados nas minhas recordações e nas imagens de um paraíso por descobrir. Parámos a caravana num pequenino parque, já no vale do rio Somiedo, que corre para o Pigueña. Lembro-me da emoção que senti, uma emoção que não se explica, sente-se. Algo naquelas terras me disse logo que eu lhes pertencia, que iria lá voltar! E voltei ... oito vezes...
A magia de Somiedo, 4.08.1997
Desta primeira vez ... os deuses de Somiedo estavam contudo contra mim. Os picos à volta de Pola de Somiedo estavam já mergulhados no nevoeiro, quando visitámos esta tão simpática capital do concelho e sede do Parque Natural. Mas nós íamos para mais alto, para o Camping "Lagos de Somiedo", na pequena aldeia "perdida" de Valle de Lago, a 1250 metros de altitude, na esperança de, no dia seguinte, podermos ir conhecer, a pé, o maior lago glaciário da cordilheira cantábrica, o Lago del Valle.
Mas o dia 5 de Agosto acordou chuvoso...! No desalento de mal poder sair da caravana, eu sentia contudo o cheiro da erva fresca, da ruralidade daquela aldeia perdida nos confins das montanhas de Somiedo. Eu sabia que o lago estava apenas a uns escassos 6 km, o que já tinha lido falava-me das brañas e dos vaqueiros de alzada, dos Picos Albos ... do muito que por ali tinha a viver e a aprender. Mas a chuva e o nevoeiro continuavam implacáveis ... e os meus companheiros, cara-metade e filhos, apelavam às desvantagens de por ali ficarmos à espera de uma melhoria do tempo incerta ... e à "necessidade" de regressar a tempo dos anos de uma prima...
O "concílio" ordenou portanto um bater em retirada ... com muita pena minha. Ao descer de Valle de Lago de regresso a Pola de Somiedo (quantas vezes iríamos fazer esta estrada nos anos seguintes...), algumas nuvens desvendaram as encostas verdejantes que correm para o rio Somiedo, que iríamos agora subir, em direcção ao Puerto de Somiedo ... deixando as Astúrias para entrar em terras leonesas. Coincidência, providência ou contingência ... ao começar a descer a encosta leonesa as nuvens foram-se afastando, revelando-nos uma igualmente maravilhosa vertente sul daquelas montanhas "mágicas" ... e dando gradualmente lugar a um dia de Sol! A primeira "descoberta" de Somiedo ficaria para sempre ligada aos nevoeiros e às chuvas ... que me "expulsaram" do paraíso. Para trás pareciam ficar os urros dos ursos, o canto do urogalo, a magia daquelas terras, mitos, tradições, música; para trás ficava o chamamento que, naquela tarde, noite e manhã chuvosas, tinha já feito de Somiedo a minha terceira "terra natal"!

   "Guedeya roxa'al vientu", Xuacu Amieva, "Tiempu de mitos"
Vale de Somiedo, 5.08.1997
La Peral, Somiedo, 5.08.1997
Em terras leonesas, por Villablino e Ponferrada descemos o vale do Sil, em direcção à Galiza e a Portugal. No limite Leão/Galiza, as Médulas de Carrucedo foram a última visita das férias de 1997. Fantasmagóricas formações rochosas resultantes do trabalho de milhares de escravos romanos, em explorações auríferas, as Médulas transmitem-nos uma sensação enigmática. E por Orense e Valença ... regressámos a casa.



Quando descubro a minha terceira "terra natal", 4 e 5.08.1997

13 de Abril de 2011

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