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domingo, 19 de março de 1989

Do Gerês a Castro Laboreiro ... com um gélido acampamento na Serra do Soajo

15 de Março de 1989, Casa-Abrigo do Vidoeiro, Gerês. A extraordinária "aventura" da travessia da Serra do Gerês tinha acabado há pouco. Desde a "aldeia mágica" de Pitões das Júnias, pelos píncaros serranos e pelas Minas dos Carris, tínhamos percorrido sensivelmente 41 km; os pés e as pernas acusavam-nos...
Sobre a Barragem da Caniçada, 16.03.89
No castelo do Lindoso, 16.03.1989
Mas ... esta digressão pelo Parque Nacional da Peneda-Gerês estava apenas no começo! No dia seguinte, partimos de autocarro rumo à zona central e ocidental do Parque Nacional. A Serra Amarela vigiava a nossa progressão. Ainda tinha alimentado levemente a ideia de fazer a ligação Portela do Homem - Lindoso, pela serra ... mas depois da travessia do Gerês acabada de realizar ... convenhamos que seria demasiado exigente para as pernas daquela jovem gente. Por ironias do destino, só vim a fazer essa travessia ... 21 anos mais tarde!
A visita ao Lindoso foi, assim, mais ou menos "turística". O Castelo e o conjunto de típicos espigueiros receberam o grupo, bem como as espectaculares panorâmicas sobre o vale do Lima, com a Serra do Soajo do outro lado ... para onde nos dirigíamos.
Castelo do Lindoso, 16.03.1989
Conjunto de espigueiros do Lindoso, 16.03.1989
    
E assim acampámos duas noites no "Parque de Campismo" do Mezio, em plena Serra do Soajo. As condições não eram muitas (diríamos mesmo que nenhumas...), mas permitiam sentir ... aquela "agradável orvalhada matinal no blastóporo"! Mais à frente perceberão a origem desta citação...J!
Mezio, Serra do Soajo, 16.03.1989
O grupo na "porta" do Parque Nacional, no Mezio, 17.03.1989
Acampamento no Mezio, 17.03.1989
Acampamento no Mezio, 17.03.1989
Durante o quase dia e meio no Mezio ... quase "vivemos" como druidas, recordados pela presença da Anta do Mezio e conjunto megalítico, ali bem perto de nós. Mas também metemos pés ao caminho e fizemos os 7 km que nos separavam do Soajo ... até mesmo para aquecer, já que aqueles dias de Março quiseram deixar bem claro que o Inverno não tinha ainda acabado: de manhã, ao acordarmos, o pano das tendas estava firme e hirto, qual chapa sólida, com a humidade transformada em placas de gelo! Mesmo assim, um tanque próximo servia para as higienes matinais ... e para alguns divertimentos!
Na anta do Mezio, 17.03.1989
No tanque do "Parque de Campismo"...
E no dia 18 ... metemos o autocarro ao caminho, em direcção à Senhora da Peneda e a Castro Laboreiro. Passámos a aldeia de Adrão ... e as panorâmicas iam-nos enchendo as vistas. A leste, percebem-se os vales dos rios Peneda e Laboreiro; para lá da mistura das águas é terra galega. E continuámos por Tibo, Rouças e Gavieira, por uma estrada que, na altura, era ainda quase integralmente de macadam. Mas o nosso "maquinista", Sr. Américo ... era realmente "um espectáculo". Já "velho" conhecido de anteriores "aventuras", parece que estou a ouvi-lo dizer ... "eu com o professor Callixto vou a todo o lado"...J! E fomos! Fomos ao Santuário da Senhora da Peneda e, de lá, a Castro Laboreiro.
18.03.1988 - Aldeia de Tibo (em baixo, à esquerda) e o vale da Peneda,
com a Penameda ao fundo, à esquerda
No Santuário da Senhora da Peneda
Em Castro Laboreiro, claro que era obrigatória a caminhada ao castelo e às muitas fragas "misteriosas" que o rodeiam. O quinto dia desta jornada pelo Parque Nacional da Peneda-Gerês estava a terminar. No sexto, e último ... havia que regressar.
Na "tartaruga" de Castro Laboreiro, 18.03.1989
No cimo do castro de Castro Laboreiro, 1036m alt., 18.03.1989
Castelo de Castro Laboreiro, 18.03.1989
Em fim de jornada, o grupo no Castelo de
Castro Laboreiro, 18.03.1989
Esta "aventura" por terras do nosso único Parque Nacional, ficaria para sempre gravada nas memórias de todos. Pela "grande travessia" da Serra do Gerês, pela imponência das paisagens vividas e sentidas, pela grandeza das vivências na serra, nas aldeias, no nosso "campismo" - onde quase íamos congelando... - pela espectacular camaradagem e solidariedade ... por tudo.
Histórico ficou também um "discurso", lido ao microfone do autocarro e posteriormente escrito e assinado pelos alunos do 12º ano ... e que faz luz sobre as citações utilizadas acima...J:

Queridos e prezados colegas, professores e Sr. Américo:

É com profunda e solene saudade que chegou a hora da despedida. Uma hora fúnebre que nos toca profundamente a alma e que escurece grandes espíritos como os nossos.
O pragmatismo excursionista e o tecnocratismo horárico tão peculiar e profundamente marcante da personagem Calistiana, revelou-se numa hegemonia estética e inoperante sobre o fantasma da anarquia e da confusão mefistofélica.
Desde os inopinados 55 Km*, vencendo tão imponentes barreiras geo-biológicas e, quiçá, obstáculos neuro-psíquicos, descobri-mos a arte de vencer os receios intrínsecos, brotando de dentro das nossas almas adormecidas o espírito pedestre, e permitiu os relutantes devaneios do prazer do rendez-vous.
Agradecemos profundamente a experiência altamente promíscua e selvagem do pseudocampismo e o belo prazer de mictar e defecar ao ar livre, sentindo uma agradável orvalhada matinal no blastóporo. Isto sem falar no singelo prazer de nos sentirmos rodeados da agradável companhia de excrementos semi-ressequidos de artiodáctilos.
Concluímos que o saldo foi francamente positivo (agora para atinar), embora algo friorento, e o “maquinista”, Sr. Américo, é um espectáculo.

P.S.: É com profunda mágoa que não desfrutamos da presença super-heróica do Zé-man, no entanto acreditamos cegamente na sua omnipresença, visto que foi avistado várias vezes a cruzar o céu à velocidade da luz, sendo apenas visível o seu rasto de infravermelhos.

Temos dito ! ...

(*) Na altura, ficou na ideia que teríamos feito cerca de 55 km a pé, na travessia do Gerês; a realidade corresponde contudo a cerca de 41 km

As fragas e pragas do destino lançariam contudo nuvens negras sobre os 10 anos seguintes da minha vida. Pouco depois desta "aventura", a minha companheira de tantas fragas vividas começou a manifestar distúrbios psicóticos, no quadro do que hoje se chama doença bipolar. Foram anos difíceis, outro tipo de fragas a vencer, até atingir a desejada estabilidade, 10 anos depois ... e sem "garantias vitalícias". Mas nada na vida é vitalício...

19 de Fevereiro de 2011

1 comentário:

profg disse...

Com uma lágrima ao canto do olho, escrevo este comentário, mesmo depois de já ter sem sucesso limpado várias vezes esses mesmos olhos. 1º pelas excelentes recordações que me tem permitido trazer à superfíce, sendo que este novo olhar me faz ficar ainda com mais saudades. 2º pelo último parágrafo que desconhecia mas que vivenciei um caso embora muito à distância neste momento (uma ex professora da minha licenciatura que foi e sempre será uma referência). Desejo-lhe muitos anos calmos em que cada dia seja melhor que o anterior. Bj